Editorial da Folha S
Paulo-23/03/2013
A MAIOR FRAUDE
" O tema era imigração para o Brasil no século 21. A receita de macarrão
instantâneo, incluída a meio caminho de uma redação no Enem, não provocou, todavia reações de monta entre os encarregados de
corrigir a prova. texto foi aprovado, conforme revelou o jornal "O
Globo". Obteve 560 pontos dos mil possíveis. Outra redação continha
trechos do hino de um time de futebol. O episódio se tornou motivo de piada,
acrescentando tons de absurdo ao mais importante instrumento de avaliação dos
alunos de ensino médio do Brasil, já combalido por fraudes, escândalos e
anulações de provas. "Motivo de piada" talvez seja uma imprecisão.
Tratava-se, desde o início, de piada. O mais provável é que os autores das
redações quisessem testar, de forma temerária, o rigor dos examinadores.
Naquela típica mistura adolescente de irreverência e tédio, preencheram com o
que lhes veio à cabeça o espaço exigido. Não é esse o menor sintoma da crise do
sistema educacional brasileiro. Não se reconhece - e o problema já transparece
nas próprias relações entre aluno e professor - a legitimidade do ensino. O
desdém e o vale-tudo predominam. Para cúmulo dos males, as autoridades
educacionais adotam uma atitude de paternalismo. O medo de reprovar, assim como
a tentativa de não engrossar estatísticas alarmantes sobre a qualidade do
ensino, fecha o círculo vicioso. Não há exagero em observar que o professor
leniente, em geral, atrai mais desprezo que afeição de seus alunos. A leniência
se reflete para além do caso das redações chistosas. Vários alunos obtiveram a
nota máxima na prova, apesar de graves falhas de ortografia (como
"trousse", em lugar de "trouxe"). É no mínimo estranho que
nem mesmo uma fração da nota tenha sido descontada. Prevalece um delírio
pedagógico segundo o qual o aluno deve ser protegido de
"discriminações" por desconhecer a norma culta. O estudante que
recebe nota máxima por um texto crivado de erros não está sendo
"protegido" de absolutamente nada, mas, sim, vítima de uma fraude. Sabe disso,
aliás. Daí o desprezo, a inutilidade que atribui ao ensino recebido. Ou melhor,
NÃO recebido".
Nenhum comentário:
Postar um comentário