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Estado de S. Paulo
Terça feira, 05 de novembro de 2013
Médicos cubanos - sustos trabalhistas
José Pastore
Li nos jornais que o governo se assustou ao saber que o
subterfúgio da "bolsa-formação" a ser usado para remunerar os médicos
cubanos não está isento do recolhimento das contribuições previdenciárias. O
aviso veio da Secretaria da Receita Federal. O órgão alertou que a importância
mensal paga aos médicos constitui salário e, como tal, está sujeita ao
recolhimento ao INSS de 11% pelos contratados e de 20% pelo contratante. Para o
governo, a despesa mensal subiu de R$ 10 mil para R$ 12 mil por médico. Como se
trata de salário haverá sobre ele incidência de todos os encargos sociais
(FGTS, seguro acidente do trabalho, salário-educação, descanso semanal
remunerado, férias, abono, aviso prévio, etc.) que somam 102,43% do salário. É o que diz a CLT.
O governo, que previa gastar R$ 511 milhões para contratar 4 mil
médicos cubanos por quatro anos, terá de reservar mais de R$ 1 bilhão só para
essas despesas. Não estão nessa conta os gastos com transporte e acomodação dos
médicos no Brasil, nem tampouco os adicionais por insalubridade e
periculosidade a que muitos farão jus. Há que se considerar ainda que, mais
cedo ou mais tarde, os médicos cubanos conhecerão o alcance das nossas leis
trabalhistas, que, se não forem cumpridas, detonarão ações judiciais -
individuais ou coletivas - com vistas a receberem atrasados e reparar danos
morais. Eles saberão que, ao contrário de Cuba, as portas dos tribunais do
Brasil estão permanentemente abertas para todos os cidadãos que aqui trabalham.
Basta acioná-los. Por isso, a conta pode subir muito. Todos sabem que, no campo
trabalhista, quem paga mal paga duas vezes. Pagamentos realizados por força de
sentenças judiciais são sujeitos a elevadas multas/ pesada correção monetária. Suponho
que os competentes advogados da União tenham prevenido os nossos governantes
sobre os riscos a que estavam submetendo a Nação. Tudo indica, porém, que a
urgência para montar um programa eleitoral falou mais alto, e venceu. Agora, o
bom senso recomenda fazer provisões para o desfecho, que pode ser desastroso. Tenho
estranhado o silêncio do Ministério Público do Trabalho. Da mesma forma,
intriga-me o mutismo das associações de magistrados do trabalho. Mais
surpreendente ainda é a indiferença das centrais sindicais, que, sendo
contrárias à necessária regularização da terceirização no Brasil, assistem
pacificamente a um tipo de contratação que tem tudo do trabalho escravo. Basta
lembrar que os médicos cubanos não podem trazer seus familiares; estão
impedidos de sair do Brasil; se pedirem asilo, será negado; e ainda têm 70% do
seu salário confiscado e remetido ao governo cubano, que nada pode fazer para
os brasileiros. Situações mais brandas que essa têm sido denunciadas pelas
centrais sindicais como "análogas ao trabalho escravo". Neste caso,
"ouve-se um sonoro silêncio". Não me deterei nesse aspecto, pois o
assunto já foi bastante comentado pela imprensa. Não comentarei tampouco a insinuação
de que os recursos que vão para Cuba acabarão voltando para o Brasil - não se
sabe para quê. A minha preocupação está na área trabalhista, porque, a julgar
pela conduta rigorosa da Justiça do Trabalho, a conta dessa contratação pode se
tornar colossal, o que vai demandar recursos que poderiam ser aplicados na
própria solução eficaz do problema da saúde em prazo médio. Para dizer o
mínimo, a fórmula escolhida pelo governo agrediu o interesse nacional. Por mais
nobres que sejam os propósitos do Programa Mais Médicos, nada justificava
afrontar o nosso ordenamento jurídico de forma tão contundente. Afinal, tudo
poderia ser feito seguindo as regras vigentes, como, aliás, ocorre com os
médicos que vêm da Argentina, Portugal, Espanha e de outros países que aqui
estão para ajudar a aliviar a dor dos brasileiros. Até quando nossos
governantes poderão desperdiçar o dinheiro do povo impunemente?
*José Pastore é
professor de relações do trabalho da Faculdade de Economia e Administração e
membro da Academia Paulista de Letras.
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