O artigo da Folha de SP, de 16 do corrente, chamou-nos a atenção pela sua clareza e profundidade. A reflexão do grande jornalista vale p/profissionais de outras áreas, onde ser velho virou sinônimo de estorvo. Vejam o primoroso texto:
“Hoje, tratam o velho
como um estorvo. Jornalistas das antigas são desprezados. Para os jovens, tudo
está na internet, e lá não há velho chato. Estou sobrando”.
"Como velho jornalista da velha escola, aquela que nos ensinava na unha
e nos cascudos de chefias que acatávamos sem chiar, gratos por podermos
conviver com nomes cujo simples som nos intimidava, observo que em algum
momento algo muito importante se rompeu e ninguém lhe deu a menor importância. Hoje,
por todo lado, apregoa-se que só o novo é bom e todos disputam a honra de serem
mais novos do que os demais. Ser velho, nestes tempos estranhos, é ser um
estorvo, ser inútil, um dinossauro improvável, movimentando-se num universo de
frágeis louças. Eu sou um dinossauro e vivo trombando o grande rabo da minha
longa história contra as prateleiras deste mundo asséptico. Acho que estou
sobrando. Muito se fala, nos discursos eleitoreiros, das bondades que cada
campanha sugere a seu candidato, para agradar a nós, os mais velhos. Cada vez
que vejo um almofadinha desses abraçando a senhorinha sofrida e prometendo-lhe
mundos e fundos, a ira me sobe à cabeça e por pouco não arremesso a bengala que
me ampara de encontro ao televisor.Porque, no fundo, no fundo mesmo, o que todo
mundo quer é tirar a nós, os velhos, do caminho e dos cofres da previdência.
Somos aquelas criaturas que parecem servir, apenas, para confrontar cada jovem
pimpão com sua própria finitude e com o fato de que a única alternativa
disponível à morte, por enquanto, é mesmo sobreviver, como der. E é aqui que a
coisa complica. Provavelmente nunca na história se desprezou tanto a
experiência e a memória dos mais velhos como nas últimas décadas. Se você, como
eu, é um jornalista "das antigas", vale menos que um PC 386, daqueles
que um dia pareceram uma enorme inovação e hoje não passam de lixo eletrônico
descartável e, como tal, ambientalmente incorreto. Eu me sinto ambientalmente
incorreto quando tento mostrar o muito que a memória de duas guerras cobertas,
alguns prêmios de imprensa e reportagens memoráveis, inutilmente, me ensinou.
Desempregado desde 2007, sobrevivendo de cada vez mais raros bicos, sinto que
cheguei aos meus limites. A autoestima se esfacela e posso entender porque
tantos não resistiram e acabaram sucumbindo ao álcool, às drogas ou, tanto
pior, à ideia da própria morte. Tolo e romântico que sempre fui, imaginava que
essa vivência toda, mais tarde, me permitiria ajudar os mais novos a melhorarem
o mundo imperfeito que é o campo de colheita dos bons jornalistas. Ledo engano,
porém. Tudo o que a história pode ensinar a um jovem, ao que parece, pode ser
encontrado nos meandros da nebulosa da internet. Com a vantagem de que lá não
haverá nenhum velho chato para dizer que noutros tempos, no meu tempo, algo era
assim ou assado por causa disto ou daquilo. A informação brotará do tablet, cristalina, fria e desinfetada pelo
distanciamento tecnológico. O dedicado repórter, c/o ímpeto de seus jovens
anos, vai poder navegar p/escaninhos da memória que me resta, sem precisar
me aturar e a minha própria história. Acho que vou ter de procurar emprego de
empacotador de caixa de supermercado. E se um dia algum candidato se aproximar
de mim, entre um pé de alface e uma caixa de ovos, agradecerei cada migalha que
governos me oferecerem como dádiva. Ao menos assim, talvez, eu tenha alguma utilidade".
MÁRIO CHIMANOVITCH, 67, é jornalista há
44 anos. Repórter investigativo,cobriu conflitos no Oriente Médio, na África e na Amazônia.
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