A PERGUNTA PERMANECE NO AR (Percival
Puggina)
"Argumento "ad hominem" é um falso argumento que
pretende vencer e convencer mediante ataque verbal ao oponente. Já me defrontei
com ele várias vezes. Também pode ser descrito como falácia, pois busca
concluir sobre a correção de algo que esteja em pauta sem examinar seu
conteúdo. Trago a expressão para este artigo porque, em dado momento da sessão
de abertura do julgamento do caso Mensalão, o ministro Ricardo Lewandowski,
altercando com o ministro Joaquim Barbosa, verberou indignado não aceitar argumento
"ad hominem". Opa! Esse tipo de coisa no Supremo? Tenho sido crítico do STF. Reiteradamente, aquela Corte vem se
deixando levar pelas pressões de grupos de opinião mobilizados em torno de
pautas que estariam mais legitimamente regradas pelo Congresso. Vejo como
preocupante, também, o convívio da atual forma de provimento das vagas no
Supremo com o instituto da reeleição para presidente da República. E mais
incompatível ainda com a hegemonização política em curso no país. Não havendo
rodízio no poder político, o STF vira poder gêmeo do governo. Reproduz o mesmo
perfil ideológico. É um receio que já se tem e é a causa da recente manobra
desesperada com que Lula tentou adiar o julgamento para após a eleição. É que
até o fim do ano o PT indicará dois novos ministros. Voltando aos fatos da
sessão de abertura do julgamento. A acusação feita por Lewandowski ao relator
Joaquim Barbosa, de ter deixado de lado o conteúdo para atacá-lo pessoalmente,
é tão grave quanto surpreendente. A sala de sessões do STF não é mesa de bar, e
o Pleno não é assembleia de grêmio estudantil. Tudo que ali se afirma exige
fundamento. No entanto, Lewandowski acabara de se pronunciar favoravelmente
ao pedido do advogado Márcio Thomaz Bastos para desmembrar o processo, o que
faria remanescer sob juízo do STF apenas três dos 38 réus. Os outros 35 seriam
borrifados em juízos de primeira instância, Brasil afora. Apoiar o pedido do
advogado, pedido que remeteria os principais réus do processo (José Dirceu
entre eles) para as calendas da impunidade e das chicanes recursais, foi, de
fato, uma deslealdade com o relator e com a Instituição. Ricardo Lewandowski,
há mais de dois anos, exercia a função de revisor do caso. Participara de
outras decisões no sentido da unicidade do processo adotadas no plenário. E
resolveu mudar de entendimento sobre essa questão fulcral no exato momento em
que o julgamento começou? Note-se que se sua nova posição fosse referendada
pela maioria dos colegas, o processo do Mensalão simplesmente se desfaria no
ar! Os principais réus do caso não são os três que remanesceriam, deputados
João Paulo Cunha, Pedro Henry e Valdemar Costa Neto. Diante disso, Joaquim
Barbosa, do lado oposto da mesa, perguntou a Lewandowski os motivos pelos quais
o colega, sendo revisor do processo há tanto tempo, não suscitara tal questão
antes. O ministro não estava argumentando, nem agredindo. Estava
fazendo uma pergunta, a mesmíssima que o país inteiro fazia naquele momento,
vendo Lewandowski responder na lata, com voto escrito de 53 páginas, à consulta
verbal de um advogado. Por que agora, ministro? Era uma interrogação lógica,
imperiosa. E que permanece no ar, pendurada no teto do plenário, aguardando
resposta racional. Quando o ministro declarou-se ofendido por ela, chamando de
"argumento" o que era apenas um indispensável pedido de explicação,
uma curiosidade nacional, e afirmando não admiti-la, ele estava se escondendo
do dever moral de responder. E se fugiu disso, abriu a porta para as mais
medonhas suposições... "
* Percival
Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, articulista de Zero Hora e de
dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o
totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.
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